sábado, 20 de fevereiro de 2010

Produtos que desafiam a linha do tempo

Produtos que desafiam a linha do tempo

Daniele Madureira, de São Paulo - Valor Econômico

O papel carbono surgiu em 1806 e por mais de um século foi o único meio possível de garantir cópias instantâneas até o lançamento da primeira copiadora da Xerox, em 1949. Bem perto disso, em 1947, um especialista em telegrafia sem fio inventou o aparelho de fax. Longe dos escritórios, as donas de casa da década de 1950 deslizavam enceradeiras pelo lar, lustrando o piso. A geração seguinte, que animou os "loucos anos 60", passou a gravar os sucessos musicais nas fitas cassete. No início da década de 1970, a tecnologia assinalava um mundo novo, com a possibilidade de gravar dados do computador em discos flexíveis. Em 1976, o "video home system", a fita VHS, desembarcou nas salas de visita.
Embora esses produtos e seus respectivos insumos acumulem de três décadas a dois séculos de vida, e tenham assistido à estréia de substitutos bem mais práticos e com melhor rendimento, todos persistem no mercado em pleno século XXI. Dispensam as vultosas verbas de marketing em geral destinadas aos lançamentos e, mesmo diante da concorrência feroz dos últimos anos, que estimulou investimentos bilionários em tecnologia, nada foi capaz de torná-los peças de museu. E mais: são o porto seguro de alguns fabricantes ouvidos pelo Valor, que mantêm as vendas estáveis ou até em ascensão, atendendo públicos cativos.
Um exemplo são as lâminas de barbear duplo fio. Trata-se de um mercado que responde por um quarto das vendas em volume da categoria lâminas de barbear - negócio que movimentou R$ 1 bilhão em 2007, com 800,7 milhões de unidades vendidas. Mas, segundo a Nielsen, o consumo do modelo duplo fio recuou 5% este ano.
Nada que abalasse a confiança da American Safety Razor Company (ASR) no mercado brasileiro, o segundo maior do mundo, depois do indiano. A empresa, que desembarcou no Brasil em 2001 com a marca Personna, aposta este ano nas antigas lâminas duplo fio: lançou um modelo de platina (as comuns são de cromo) e prepara para novembro a estréia da lâmina de titânio, "que faz um corte mais suave", segundo Rui Dzialoschinsky, vice-presidente da ASR na América Latina. "Entramos no segmento este ano e esperamos vender 25 milhões de unidades de duplo fio, o que representaria 10% do consumo brasileiro", diz ele. "Para 2009, a meta são 35 milhões."
A americana ASR é a terceira maior fabricante de lâminas e aparelhos de barbear do mundo, atrás das conterrâneas Procter & Gamble (dona da Gillette) e Schick. "Lâmina de barbear duplo fio está longe de ser um mercado pequeno, prestes a desaparecer", diz Dzialoschinsky. "Mas precisava de inovação".
Por conta do baixo custo do produto (no varejo, a cartela com três lâminas custa em média R$ 1,50 ), a ASR não fará campanha de mídia massiva. O maior alvo são os barbeiros, que usam metade da lâmina dentro da navalha para "desenhar" a barba no rosto do cliente. Mas há outro público cativo. "São os padeiros", conta o executivo. "A duplo fio é a responsável pelo acabamento do pãozinho francês".
Outro produto que ganhou nova utilidade é o centenário papel carbono. "Os tatuadores usam o papel para replicar o molde sobre a pele do cliente", diz o gerente comercial da Unic Carbon, Octávio Feital. A empresa, que disputa com a Helios Carbex a liderança em papel carbono no Brasil, começou a exportar este ano para Estados Unidos, Espanha e Índia, apenas com venda para tatuadores. E lançará um site de comércio eletrônico só para esse nicho. A companhia também desembarcou no Peru este ano, com o papel hectográfico, usado em mimeógrafos. "Há forte demanda por esse material na América Latina e na África", diz.
A fabricante de mimeógrafos gaúcha Menno prepara em segredo um novo contrato no exterior - possivelmente com Índia ou África. No Brasil, passou de 1,8 mil mimeógrafos por mês em 2006 (produto que rebatizou de "duplicadores a álcool") para 2,5 mil unidades este ano. "Quem usa mais são as escolas públicas, principalmente no Norte e Nordeste, onde o produto é chamado de 'cachacinha', por ser abastecido com álcool", diz o gerente da Menno Ângelo Paludo.
Pelas contas do executivo, ainda é muito mais barato investir em um mimeógrafo do que em uma impressora. "Um cartucho jato de tinta custa R$ 50 e gera, no máximo, 180 cópias", diz. "Em contrapartida, gasta-se R$ 6 com álcool e três folhas de estêncil para fazer mil cópias em um duplicador", diz Paludo. Cerca de 10% do faturamento da Menno deste ano, previsto para R$ 47 milhões, deve vir dos mimeógrafos, que custam R$ 320. O carro-chefe da companhia são os fragmentadores de papel e os módulos gaveteiros para dinheiro. Mas isso não significa que a Menno deixou os mimeógrafos de lado. "Encomendamos a uma universidade um novo modelo", diz Paludo, sem revelar detalhes.
A especialidade da fabricante de eletrodomésticos Arno nunca foi a enceradeira, produto da década de 1950 que tem vendas restritas a 30 mil unidades ao ano no Brasil. Mas a empresa dividia o mercado local com a Electrolux, que deixou o segmento este ano. Procurada, a Electrolux não se pronunciou até o fechamento desta edição. "Como somos os únicos a vender agora, pretendemos dobrar de volume em 2008", diz o gerente da Arno Adriano Toledo. Segundo ele, há um público fiel no interior do país, especialmente no Sul. "Gente cujos costumes não mudam e que prefere o brilho da enceradeira ao de qualquer cera instantânea", diz.
A familiaridade dos usuários com acessórios mais antigos é a aposta da Videolar, dona das marcas EMTEC e Nipponic, para manter a produção de disquetes, fitas cassete e fitas VHS, mesmo quando prepara a sua entrada no mercado de pen drives. "O disquete é mais 'amigável' para a gravação de dados do que os CDs e DVDs", diz o gerente comercial da Videolar,
Maurício Manzato. Mas a capacidade de armazenamento é o que impera: enquanto vende 45 milhões de CDs e DVDs por mês, a Videolar atende uma demanda mensal de só 1,2 milhão de disquetes. "Ainda assim é um patamar considerável", afirma Manzato. "Enquanto há mercado, há produto".
Nas fitas VHS, o que garante a venda da Videolar é o parque instalado de videocassetes. "O brasileiro não joga eletrônico no lixo", diz o executivo. "Quem teve vídeo ainda mantém o aparelho e compra insumos", afirma Manzato, que conta alguns aspectos pitorescos da venda de fita cassete. "Boa parte dos caminhoneiros que viaja pelo interior do país prefere as fitas aos CDs por causa das estradas esburacadas, que não permitem a acústica sem interrupções".
Nos escritórios, os aparelhos de fax vêm resistindo bem, apesar do avanço da internet e dos multifuncionais - que reúnem impressora, copiadora, scanner e fax e são abastecidos por sulfite. Na Maxprint, que produz suprimentos de informática e material de escritório, a venda de bobinas de fax deve crescer 15% este ano, depois de aumentar 9% em 2007. Mais uma vez, o custo de manutenção mais baixo é determinante, raciocínio que também justifica a maior demanda por formulários contínuos, usados nas antigas impressoras matriciais, que cresceram 32% em 2007 e devem vender 15% a mais este ano. Cerca de 5% da receita da Maxprint em 2008, estimada em R$ 219 milhões, deve vir desses produtos.
São itens comuns em órgãos públicos e mesmo em empresas privadas, principalmente do Norte e Nordeste, que não atualizaram seu parque tecnológico. "Nossa venda de almofada para carimbo e papel carbono cresceu 7% e 4%, respectivamente, em 2007", diz Iara Espíndola, gerente de marketing da Nagem, varejista de material de escritório, com 16 lojas no Nordeste. "Não fizemos nenhum esforço de marketing para isso", afirma.

No Brasil, o mercado de almofadas de carimbo é dominado pela octogenária Pilot, do Japão. A empresa tem uma participação de 85%, diz o gerente comercial, Roberto Koga. "Devemos fechar o ano com 360 mil unidades, mesmo patamar desde 2006", diz. Lançada em 1974, a almofada de carimbo têm consumidores fiéis em escritórios de pequeno e médio porte e órgãos públicos. Por isso, a Pilot nem cogita a a produção do modelo mais novo de carimbo, que já vem com refil de tinta, afirma Koga. "Vamos continuar porque o patamar de vendas é interessante".

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