terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Estratégias de comunicação da marca McDonald's

A negociação do Slow Food dentro do templo do Fast Food

ESTRATÉGIAS DE COMUNICAÇÃO DA MARCA MCDONALD´S: A NEGOCIAÇÃO DO SLOW FOOD DENTRO DO TEMPLO DO FAST FOOD

Por: Viviane Riegel é professora da graduação de comunicação social da ESPM-SP, mestranda do programa de comunicação e práticas de consumo da ESPM-SP, e-mail: vriegel@espm.br.

As estratégias de comunicação de marca são compreendidas neste artigo a partir da construção de suas estratégias discursivas, materializadas no espaço de consumo do McDonald´s, ou seja, nas suas lojas. A proposta de relação das novas propostas de consumo dentro das lojas McDonald´s é verificada na cultura da mercadoria a partir da simulação proposta pela marca, que resulta de uma negociação simbólica entre a cultura fast, tradicionalmente relacionada à marca, e a cultura slow, representada por seus opositores.

Verifica-se, portanto, como as modificações em seus espaços comunicantes – suas lojas –, como pontos de consumo privilegiados, traduzem o consumo simbólico das culturas fast e slow, assim como dialogam com o consumo da experiência já naturalizada dessas lojas.

A comunicação publicitária e a marca

A marca McDonald´s, reconhecida mundialmente por seus arcos dourados e por suas cores fortes, amarelo e vermelho, é também a maior representante do conceito conhecido como fast food. Esse tipo de restaurante oferece fórmulas rápidas, utilizando todos os recursos da culinária de alta tecnologia (pré-preparados, congelados, microondas) para seguir o ritmo acelerado da vida social contemporânea.

“São lugares, portanto, percebidos como ilhas de território conhecido em meio ao desconhecido, pontos de referência na trajetória itinerante criado pelo turismo no seu movimento de circulação. Nessa circulação, que tem um tempo normalmente predeterminado, os restaurantes fast food criam uma territorialidade fixa que compensa as incertezas das derivas. Eles passam a ser percebidos como se fossem moradas, sinalizam outros espaços menos dominados.” (RIAL, 2006, p. 15)

A rede americana, que iniciou sua expansão na década de 50, é sinônimo em qualquer país do mundo de comida rápida, prática e de alto teor calórico. Para cumprir com essa promessa, os restaurantes da rede foram estruturados com ambientes que priorizassem o atendimento ágil e que incentivassem o consumo descartável da experiência desse espaço. Todo o conceito de produção e de atendimento na loja concentra-se em entregar ao consumidor seu pedido no tempo mínimo possível.

Em qualquer loja McDonald´s (ver Figura 1), é possível encontrar painéis atrás do balcão com as fotos dos produtos à venda, assim como promoções temporárias dos lançamentos ou de narrativas propostas pela marca em sua comunicação. Ao visualizar o produto antes do pedido, pela representação da sua imagem material no balcão, consome-se a foto, a embalagem, na busca pela experiência de consumo de fast food relacionada à marca.

Do outro lado do balcão, os processos a serem realizados pelos funcionários são estabelecidos em manuais e especificados em avisos que determinam movimentos, falas e postura. O resultado são ações repetidas que também são consumidas como parte da experiência dessa marca, pois elas transferem o processo do trabalho rápido e personalizado ao produto e à cultura da marca McDonald´s.

Como lembra Maingueneau (1997, p. 75-77), a heterogeneidade das interações com o outro parte de sentidos relacionados a experiências já vividas. É o que ocorre no caso da inserção de novos sentidos ao consumo padronizado dos produtos McDonald´s, a partir da transformação das lojas McDonald´s e da inserção de novos elementos estéticos, que são interpretados pelos consumidores e incorporados à experiência já conhecida da marca. Por mais de 50 anos, consumidores globais criaram sua conexão com o estilo de alimentação do McDonald´s e garantiram seu crescimento e manutenção, resultando, inclusive, em uma das marcas mais conhecidas que compõem o cenário urbano das mais populosas cidades do planeta. No entanto, esse mesmo consumidor, ao entrar em algum dos restaurantes atualmente, pode se deparar com uma surpresa ou mesmo com um estranhamento. A loja McDonald´s passou por modificações estéticas que sinalizam uma mudança em seu conceito de produto, na proposta já conhecida de fast food. No exemplo do hall de entrada de uma grande loja da cidade de São Paulo (ver Figura 2), com móveis de couro no lugar de antigos bancos de plástico, em cores sóbria s, como preto e marfim, percebe-se uma nova forma de construção simbólica da experiência dessa espacialidade.

Seria essa uma nova forma de traduzir para a marca McDonald´s um movimento simbólico de deslocamento do imaginário fast para o de slow food? Percebe-se a negociação simbólica que existe entre esse dois “mundos”. Ao lado do aconchegante lounge está o display de brinquedos coloridos, que representa a marca. Sendo assim, é possível conectar imagens como a do palhaço Ronald McDonald com o ambiente de decoração semelhante ao de empreendimentos imobiliários contemporâneos, deslocando os signos de requinte estético, com significado de acolhimento, passando a representar um repertório comum entre a loja McDonald´s e outras visualidades que são relacionados à ideia de conforto e aconchego.

A partir de encontros simbólicos, a marca oferece novas propostas de visualidade, criando pontos de encontro2 (DI NALLO, 1999) de estilos de consumo e de experiência. Nesse processo de interação, o McDonald´s mobiliza signos pré-construídos dentro de um contexto sociocultural e conecta-os à memória de seu próprio discurso, dentre outros discursos presentes na sociedade. No caso dos funcionários do McDonald´s, esse processo interacional é claramente definido pelos manuais e representado diante dos consumidores frequentemente, que por sua vez também possuem seu papel dentro dessa ação. Ao mesmo tempo em que a comunicação do McDonald´s propõe uma imagem de marca representada em momentos de diversão, lazer e descontração, desprendendo-se da imagem da alimentação rápida e descartável.

A mensagem publicitária alimenta, portanto, o imaginário do consumidor, a partir de elementos que compõem as experiências perceptivas do indivíduo. “Por sua dupla mensagem, a língua conotada da publicidade reintroduz o sonho na humanidade dos compradores: o sonho, quer dizer sem dúvida certa alienação (a da sociedade concorrencial), mas também certa verdade (a da poesia)” (BARTHES, 2001, p. 201). Assim, a construção de uma atmosfera sedutora a partir da linguagem publicitária corresponde a uma experiência constituída de sensações e emoções que fazem com que o momento de consumir o Big Mac (ver Figura 3) seja desejado, não porque ele sacia a fome, mas porque ele remete a alguma situação já experimentada, pois funciona como uma aproximação do que se quer viver e até como uma fuga de onde não se quer estar. Nessa relação entre o produto vendido pelo McDonald’s – comida rápida – com todo um modo de vida embalado para consumo constituído a partir da emergência daquilo que foi denominado de “tempo do fast food”, percebe-se como o sistema de produção é um sistema de mercadorização da cultura.

Sendo assim, a comunicação publicitária é um sintoma da aceleração e da descartabilidade do consumo cultural, assim como do esforço para se construir permanências, mesmo que fugidias. A estratégia de comunicação do McDonald´s estabelece, então, uma negociação simbólica e cria locais de identificação onde os consumidores se apropriam dos significados das mercadorias. “Tornamo-nos cada vez mais sensíveis ao indicativo da publicidade, isto é, à sua própria existência enquanto segundo produto de consumo e manifestação de uma cultura” (BAUDRILLARD, 1997, p. 175). O espaço de relações em que os objetos ultrapassam sua função e alcançam uma nova ordem prática de organização é o ambiente (neste caso, a loja), onde predomina a combinação de diferentes sentidos culturais (ver Figura 4).

Diante do destaque da comunicação publicitária no contexto sociocultural contemporâneo, o processo de negociação simbólica remete aos sentidos traduzidos nas marcas como objetos de consumo. Portanto, produzindo sentido, ela atua como ser, como ente social, pois seus significados remetem a espaços sensíveis que permitem uma relação do sujeito com as representações de um lugar. A marca publicitária intensifica esse lugar, pois ela produz representações que correspondem ao processo de aceleração e descartabilidade permanentes, pela ditadura do novo, essencial na estrutura da sociedade de consumo. Assim como o produto, a marca também é mercadoria (ZOZZOLI, 2004, p. 287), por seu consumo simbólico, independentemente da aquisição de um produto.

O espaço de consumo das marcas engloba tanto influências comerciais como simbólicas diante de um processo relacional formado por uma memória de experiência (ZOZZOLI, 1998, p. 56). “Um produto é resultante de uma cultura, tal qual a marca, que sintetiza suas conotações em seu projeto de inserção no mercado simbólico” (CASAQUI, 2005, p. 26). Assim, o McDonald´s, como marca, representa significados que legitimam sua identidade de diversão e entretenimento, de um corpo que é constituído de discursos que refletem e comunicam a cultura fast food e, mais recentemente, que incorporam e traduzem elementos da cultura slow food.

Sendo assim, a marca, como símbolo da globalização da cultura de consumo, possui uma identidade que ultrapassa fronteiras ideológicas, territoriais e culturais, encontrando indivíduos que compreendem e almejam sua representação ao redor do mundo, que seguem a “lógica da marca” proposta por Semprini (2006, p. 83), ao consumirem a influência de seu discurso. A interação e a mediação da marca, que é representada pelo humano, concretiza, portanto, seu significado, num processo dialético de negociação entre a produção e a recepção de sua comunicação, tendo como resultado sua identidade (SEMPRINI, 2006, p. 125). Nesse sentido, a rede McDonald´s, presente em todos os continentes, estabelece o seu estilo de produção e consumo por meio de seus produtos, de suas lojas, de seu atendimento, dos objetos que compõem seu ambiente, e dos signos que traduzem sua marca.

O consumo de McDonald´s: o fast agora pode ser slow?

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